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Por: Juliana Gobbe

O gélido ano de 1964 marcou definitivamente todo o traçado da recente história brasileira. De um lado: atos institucionais e censura, de outro: Caetano Veloso, Chico Buarque, Gal Costa, Geraldo Vandré, Gilberto Gil, João do Vale, entre outros. Jovens músicos respirando a poeira de chumbo que pairava sobre o cenário político brasileiro.

Um certo Chico...filho do historiador Sérgio Buarque de Holanda faz suas primeiras inserções na música popular brasileira com canções que tornariam-se definitivas.

Entre suas façanhas, musicou a peça Morte e Vida Severina, adaptação da obra do pernambucano João Cabral de Melo Neto, o compositor conseguiu convencer o poeta avesso à melodia de que “música não é barulho”, a peça ganhou prêmios internacionais, inclusive o primeiro lugar no IV Festival Internacional de Teatro Universitário em Nancy na França.

O Brasil dos festivais também está gravado nas lembranças do compositor carioca. Pelas ruas do país o povo clamava por suas canções favoritas. As finalistas do festival de 1966 eram: Disparada de Geraldo Vandré e A Banda de Chico Buarque. A plateia entusiasmada clamava pelo empate das canções. Nos bastidores do evento e, também no palco ocorreu exatamente o que o povo pedia. Anos depois, Zuza Homem de Mello revelou em seu livro: A era dos festivais – uma parábola que a grande vencedora do festival de 66 foi A Banda. Chico também sabia, mas fez questão de acatar o pedido do povo e dividir o prêmio com Disparada. Em 1968 a festejada Sabiá, originariamente intitulada “Gávea” parceria de Chico com Tom Jobim ganhou o primeiro lugar em outro festival. A canção fora apresentada na segunda eliminatória da fase nacional concorrendo com Pra não dizer que não falei das flores de Geraldo Vandré. A plateia enfurecida discordava aos gritos do resultado e o autor da canção que ficou também conhecida como “Caminhando” tentou, embora, sem sucesso, remediar a situação: “Antonio Carlos Jobim e Chico Buarque de Holanda merecem o nosso respeito. A vida não se resume a festivais”.






De natureza tímida e arredia, Chico ganha destaque entre os compositores de sua geração, declara-se socialista, e em 1969 parte para a Itália com sua esposa Marieta Severo, queria manter-se a salvo dos desmandos da ditadura.

De volta ao Brasil em 1970, o cantor, dramaturgo e escritor não pararia mais de produzir.

Para livrar-se dos censores do regime militar o compositor passa a assinar suas canções com o pseudônimo de Julinho da Adelaide, assim nascem: Acorda amor, Jorge maravilha e Milagre brasileiro.

O álbum Construção lançado em 1971 pela gravadora Philips trouxe ao público um compositor notadamente envolvido com as questões políticas do país. Dentre as dez faixas do disco a emblemática Construção trazia sua letra em dodecassílabos e rimas primorosas a narração dos últimos momentos da vida de um operário. Ao contrário do que se esperava os censores da ditadura não a vetaram e a canção foi à época sobejamente tocada na rádios nacionais. E um fato curioso: unanimidade mesmo entre os intelectuais conservadores da direita.

A questão do “eu” feminino também é recorrente em toda a sua obra, o compositor parece ter um pacto com a delicadeza quando trata sem receios a temática da alma feminina ao tecer com cuidado  a “autoria da enunciação”. Gal e Bethânia imortalizaram algumas dessas canções: Folhetim (composta em 1977 para a Ópera do malandro) interpretada por Gal e Olhos nos olhos (composta em 1976)  interpretada por Maria Bethânia. Vale lembrar que a irmã de Caetano Veloso chegou a afirmar em certa ocasião que se sentia em casa interpretando as canções de Chico.


Como literato o autor carioca publicou entre outros: Estorvo, Benjamim, Budapeste e Leite Derramado. Livros que obtiveram uma aceitação razoável tanto de crítica como de público.

Recentemente Chico polemizou ao conceder uma entrevista em Paris sobre a “inutilidade da arte”. Fato que rendeu um bom debate entre muitos intelectuais com valiosas críticas ao trabalho do cantor. Pois são urgentes as reflexões sobre vida social e trabalho artístico, bem como seus desdobramentos na atualidade.

E “antes que o esquecimento baixe o seu manto cinzento” é preciso ressaltar que há ainda uma lavra relativamente pequena de estudos sobre a obra buarquiana. Nesses tempos das mornas palavras da indústria cultural fomentadas pela aclamação fácil de viés mercadológico esta obra insere-se antes de tudo num  mosaico eloquente do panorama cultural brasileiro. As histórias de suas canções se confundem com as histórias de seus fãs, pois são alicerçadas no rico cotidiano do povo. Tese, antítese e síntese da Terra Brasilis.

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Referência bibliográfica:
Chico Buarque: Histórias de canções – Wagner Homem
A era dos festivais – Uma parábola – Zuza Homem de Mello

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